Em 29 de junho de 2005 protocolei o pedido para as análises dos órgãos competentes e teve início a grande oportunidade para eu desenvolver um pouco mais a virtude da paciência.
Sim, a paciência! Apresentava-se muito necessária nesse trâmite burocrático. Ela também deveria suportar-me em todas as tarefas que levassem à esperada recomposição da vegetação e ver um novo pedaço de mata no lugar do árido vazio.
Paciência, o que era mesmo isso?
Como exercê-la em tempos tão corridos, quando tudo era para ontem?
A paciência, fui aprendendo era a arte de manter-me consciente de que poucas coisas estavam sob meu controle. Não bastava uma vontade e,como num truque de mágica, tudo aconteceria. A situação era muito diferente disso, acontecimentos, um após o outro foram me testando e iniciando as lições de que tudo tinha o seu tempo.
E o tempo dos burocratas era de outro modelo, seus relógios e calendários giravam em ritmo próprio, movidos por outras energias, sabia-se lá quais eram?
E porque pressa na papelada, se depois a natureza teria seus próprios tempos e caprichos?
Com certeza a natureza não teria mais pressa em se recompor do que a rapidez com que os machados funcionaram para machucá-la.
Sim, cabia-me exercer a calma, ficar na expectativa, dia após dia e esperar o resultado que viria das análises burocráticas. Pois quando técnicos se debruçam sobre análises de pedidos como o meu, vasculham com lupa a legislação, as regras, as portarias e uma infinidade de definições regulamentares e as aplicam de forma meticulosa em pedidos como aquele meu.
Eu mesmo, enquanto burocrata nas análises dos processos sob minha responsabilidade, quantos cuidados tinha! Olhava sob todos os ângulos, procurava indícios de não aderências às letras frias dos regulamentos. Por que reclamar agora dos colegas?
A paciência era ainda muito mais necessária nesse meu caso, um simples cidadão, que não dispunha de conhecimentos ou recursos para bem entender a legislação ambiental, que tinha se metido nesses meandros sabe-se lá por quê?
De qualquer forma, fossem quais fossem os trâmites que o processo devesse seguir, resolvi que iria pelas letras do livrinho, isto é, pelas frias regras. Jogaria o jogo da Lei, apenas. Sentar-me-ia e esperaria, pacientemente. A todas as réplicas, faria uma tréplica técnica. Pronto, seria assim, nenhum desvio nessa forma de conduta (e nem sabia se havia essa possibilidade).
Bem, pouco mais de 60 dias após o protocolo, chegou um envelope em minha casa. Ansioso, abri e li um bem estruturado ofício, fundamentado em resoluções, informando-me que para continuidade da análise do pedido feito, caberia apresentação de um projeto de reflorestamento, elaborado por engenheiro florestal ou agrônomo.
Referido projeto deveria prever o plantio de, no mínimo, 8130 mudas nativas diversas em área que seria atingida pela construção dos barramentos, para controle da voçoroca.
Puxa vida! Perguntei-me de imediato:-mais de oito mil mudas deverei plantar?
Seriam cortadas apenas 12 pequenas e velhas árvores ou coqueiros, por que um número tão grande de replantas?
Por breves momentos esqueci-me que queria reflorestar, assustou-me a proporção e o rigor do número, pensei nos custos imediatos e todo o resto.
E mais, o ofício dizia que um projeto deveria ser desenvolvido em 3 vias, observar os preceitos técnicos e legais, com pagamento de taxas e etc. Traduzindo: despesas com engenheiro florestal ou agrônomo. Fiquei pensando: os técnicos do governo não poderiam fazer uma visita ao lugar e ver com os seus próprios olhos a situação?
O documento também solicitava a apresentação de outorga do DAEE, relativa à construção das represas.
Caramba! outorga do DAEE!
E que raios seria isso?
E o que teria o DAEE a ver com represas perdidas no meio do nada?
Muitas perguntas depois, a resposta foi encontrada no texto de uma Resolução mencionada na papelada, determinando ficarem sujeitos à outorga do DAEE, dentre tantas outras possibilidades, as situações de interferência em recursos hídricos, com o objetivo de reservar a vazão passível de futura outorga de direito de uso. A tal resolução era cheia de siglas, nem explicava o que era DAEE em miúdos. Departamento de Águas e Energia Elétrica ? Água e Esgoto ?
Entendi patavinas.
Termos técnicos difíceis diziam também que a tal outorga era necessária em empreendimentos e atividades consideradas potencialmente poluidores, que pudessem causar degradação ambiente. Mais: que facultassem o direito dos recursos hídricos.
Sinceramente eu achava um exagero tudo aquilo, diante do que eu queria fazer: simplesmente arrumar um buraco! Eu ainda estava nos começos deste projeto e, repetindo Grande Sertão Veredas, vi aquilo de modo muito “esquipático”, ou seja, num misto de esquisitice e antipatia.
Pois não era?
Repetia a mim que o pedido feito às autoridades tinha um propósito bom, ao menos segundo eu pensava. Estávamos diante de uma situação que se deteriorava a cada ano, só queríamos consertar aquilo, e incluíam essa burocracia da vazão de água, pedir autorização do DAEE? Era só irem lá ver: a voçoroca iria ser consertada com barramentos, a água iria entrar de um lado e sair do outro, pronto.
E não era só: o ofício ainda dizia que, se tudo não fosse atendido em 30 dias, o projeto estaria sujeito ao indeferimento.
Com os papéis na mão fiquei parado, pensativo, olhando para lugar nenhum.
Conversamos em casa, trocamos ideias. Quantas dores de cabeça e dinheiro nos custariam ainda aquela aventura?
Eram necessários muito sonho e boa vontade para seguirmos adiante, mesmo sem vislumbrar boas possibilidades ou ganhos.E, fundamentalmente, muita paciência e fé. Ver no vazio e nas dificuldades as possibilidades futuras.
Esse era o caminho. O nosso caminho. Respirar fundo e seguir adiante. Era o que faríamos !